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Eddie Vedder sobre a Morte de Kurt Cobain










Esta entrevista foi publicada na Melody Maker de 21 de Maio de 1994.
Eddie Vedder foi entrevistado por Allan Jones em 17 de Abril, quando o Pearl Jam tocava um dos seus "últimos shows previstos" no Paramount Theatre, em Nova York.
É principalmente sobre sua reação à morte de Kurt Cobain.

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"Sabe", diz Eddie, com voz trêmula, sussurando, quase um suspiro, "eu sempre achei que iria acontecer primeiro comigo."
Nenhum de nós diz nada por um bom tempo depois disso. O silêncio é tamanho que eu posso ouvir as batidas do meu coração, um pulso insignificante. Eddie olha para o chão, procurando segredos na pedra. O silêncio é enervante. "Eu não sei por que eu achava isso," ele diz, finalmente. "Só parecia que ia. Quer dizer, eu não conhecia ele de rotina - longe disso. Mas, de certa forma, eu nem sinto estar certo estar aqui sem ele. É tão difícil acreditar de verdade que ele se foi. Eu ainda falo dele como se ele estivesse aqui ainda, sabe. Eu não consigo entender. Não faz sentido."

"Eu me lembro quando ele passou mal em Roma - eu não percebi naquela época que era mesmo uma tentativa de suicídio - eu estava em Seattle. Eu saí pra arranjar alguma coisa pra comer e olhei as manchetes. Que ele estava em coma. Eu me assustei, cara. Eu fui pra casa e fiz algumas ligações, tentei descobrir que porra estava acontecendo. Aí eu comecei a andar pela casa e a chorar.
"Eu só ficava dizendo, "Não se vá, cara, porra, não se vá... não faça isso." Eu ficava pensando, "Se ele se for, eu estou fodido.""

Onde você estava quando soube que ele tinha se matado? "Estava num quarto de hotel em Washington, D.C. Um quarto de hotel que eu detonei."
Sua voz se extingue de novo, num silêncio assombrado, problemático. Ficamos dessa forma, sentados, por um momento; o tempo passando, nenhum de nós se apressando para dizer alguma coisa.

Está quente aqui. Estou muito cansado e começando a perder um pouco a atenção quando o Eddie manda uma cadeira girando pelo camarim na direção da parede, que ela acerta com um "crash" putamente poderoso que me traz de volta à realidade.

"Foda-se, toda essa porra", ele sibila com uma veemência terrível, e eu não sei pra onde ele vai agora.
"Você sabe, todo esse povo, cara", ele diz, "todos se alinhando pra dizer que a morte dele era inevitável... bom, se era inevitável para ele, vai ser inevitável pra mim também, também, se isso continuar."

"É por isso que este podia ser a porra do nosso último show, pra mim. A morte do Kurt mudou tudo. Eu não sei se eu posso continuar fazendo isso.

"Viu, pessoas que nem ele e eu, a gente não pode ser real. É uma contradição. A gente não pode ser essas pessoas que escrevem essas músicas reais. A gente tem que viver de acordo com as expectativas de um milhão de pessoas. E a gente não pode fazer isso. E aí tem uma porra duma mídia cínica no topo de tudo isso. Foda-se, fodam-se eles. O tempo todo, eles questionam a tua honestidade. Não importa o que você diga, não importa o que você faça, eles acham que é só um ângulo. Eles acham que é tudo uma porra dum jogo. Porque é tudo com que eles estão acostumados. É o que eles pensam que é, um jogo idiota. Eles não sabem o que é real e o que não é. E quando alguém vem tentando ser real, eles não sabem a porra da diferença.

"Então, se você diz "Não, eu não vou jogar a merda do teu jogo, eu quero sair fora... eu não vou fazer isso, eu não vou fazer aquilo..., eles ainda pensam que você é parte dele. Eles simplesmente não podem aceitar que você não quer ser parte disso, que você nunca fez parte disso. Eles acham que é só um ângulo. Algum tipo de ângulo de merda. E isso faz tudo ficar tão difícil pra alguém que só está tentando ser honesto. Então, foda-se."

Eddie pára para respirar, e você pode sentir seu cansaço e alguma coisa perto da histeria vindo dele em ondas. Você está começando mesmo a se perguntar se ele já tinha falado tudo o que conseguia, quando ele arranja um segundo fôlego.

"E outra coisa," ele grita de repente, e eu recuo. "A gente nunca falou sobre isso, mas é como se você estivesse dizendo que apesar da gente ser muito diferente, existia provavelmente um monte de coisas que tínhamos em comum. Histórias familiares, é, coisas que aconteceram com nossas faílias e essa merda... e acho que isso é alguma coisa que aparece no que a gente escreve nas músicas, definitivamente. É meio parecido, às vezes. Mas o que faz tudo ainda mais similar é a forma como as pessoas responderam ao que a gente escreveu e cantou, a identificação intensa."

"E eu acho que talvez tenha sido um choque para nós dois que tanta gente estivesse passando pelas mesmas coisas. Quer dizer, eles entendiam tão completamente o que a gente estava falando. E isso foi a merda que a gente achava que só ele e eu íamos ter que lidar só com isso. Porque a gente meio que escrevia essas canções para nós mesmos, na verdade. E de repente, todas essas outras pessoas que se conectam com elas e você de repente é o porta-voz de uma porra duma geração. Imagina isso!", ele grita.

"O...porta-voz...de uma...geração," ele continua, e você já não tem mais certeza se ele acha que isso é triste, terrível ou engraçado demais para descrever. "Eu te digo, cara," ele diz, mais calmo agora, mas só, "quando o nosso primeiro disco saiu, eu estava chocado sobre quantas pessoas se espelharam em alguma coisa daquilo. Algo como "Alive", tantas pessoas que lidaram com a morte através daquela música. Como as pessoas que lidaram com a morte do amor através de "Black" e tantas pessoas que lidaram com o suicídio com "Jeremy". O tipo de cartas que chegaram até mim sobre essas músicas, algumas delas eram assustadoras.

"É tão estranho. Você escreve sobre essa merda, e de repente é o porta-voz de uma porra de geração," ele ri, e é uma risada amarga, assutadora, nada de engraçado nisso tudo.
"Pensa nisso, cara," ele diz. "Alguma geração que pegaria Kurt ou eu como porta-voz - deve ser uma geração bem fodida, né? Quer dizer, essa geração deve estar muito fodida, cara, muito, muito fodida...."

Estamos no backstage no Paramount Theatre, sentando num camarim pequeno em algum lugar na vasta feiúra do complexo de esportes e entretenimento do Madison Square garden. Em algumas horas, o Pearl Jam vai estar tocando no seu último show da parte atual de sua turnê americana. Nove dias antes, Kurt Cobain tinha sido encontrado em Seattle com sua cabeça estourada.

"Eu não sei como a gente conseguiu passar a semana passada," Eddie diz, arrastando a cadeira de metal por esta cela de paredes brancas. Poderíamos ser pacientes em alguma instituição, esperando algum tratamento desagradável. "Foi difícil pra caralho, cara," ele diz, fatigado. "Tão difícil. Por vários motivos, eu não queria continuar essa turnê, e a morte do Kurt foi um. Mas a gente decidiu se refazer, passar por aquela semana e esquecer isso por um tempo."

A voz dele ainda está cheia de pó e cascalho, usada, quase sumindo. É um gemido de quatro-da-manhã-cheio-de-uísque-e-cigarro. E ouvindo ele, você pode sentir seu humor pendendo entre o cansaço e a violência. Ele parece, num só momento, cansado além das palavras e pronto para algum tipo de ação, uma declaração física que desconte o seu pesar e desnorteamento dos eventos dos últimos dias e o impacto que eles tiveram no seu precário senso de si próprio; ele ainda não desistiu da briga.

E ver os humores de Eddie se erguerem e cambalearem, da instropecção dolorosa a explosões de ódio pálido e impaciente, é como assistir a um trovão se dividir nos céus de verão. Num minuto, ele está falando num suspiro tênue, no seguinte ele está gritando, xingando. Num minuto ele está enfiado na sua cadeira, pequeno, virado para si mesmo, cada vez mais remoto; no seguinte, seu fisível explodiu e as coisas estão voando pelo camarim. Descrever seu humor como "volátil" seria pouco.

Você estava esperando algo parecido, lógico. Quase na hora em que você começou a pegar as notícias sobre o suicídio do Kurt Cobain, você começou a pensar no Eddie e como ele deveria estar lidando com isso. Eles deveriam ser inimigos, arqui-rivais; este era o drama que se encaixaria, as duas maiores estrelas no rock americano num conflito inconciliável. Mas você havia encontrado Eddie há um ano atrás em Londres e acreditado genuinamente que ele estava além de tais bobagens, apesar dele não poder falar por Kurt, que poderia muito bem ter a intenção mesmo de cada palavra rude e azeda que disse sobre o Pearl Jam. Kurt, você achava, poderia ser bem rancoroso.

"Teve um monte de coisa que foi dita, mas nenhuma delas faz diferença," diz Eddie agora, pensando sobre isso. "E eu gosto de pensar que ele pode ter relevado algumas das coisas que ele disse, sabe... Quer dizer, tem uma pessoa que nós dois conhecíamos, que me contou que Kurt havia perguntado muito sobre mim. E eu achei isso legal. Me fez me sentir bem, sabe. Porque tanta merda estava sendo escrita sobre a gente. E a gente conversava, a gente conversou algumas vezes. E uma vez, ele me jogou um parágrafo inteiro sobre o respeito que tinha pelo que eu fazia, e ele percebia que era puro."

"Isso," ele lembra de repente, "foi no MTV Awards. "Tears of Heaven" estava tocando no fundo, dança lenta. Eu lembro de ter saído para surfar na manhã seguinte e pensar como aquele momento foi legal, e "Porra, cara, se a gente não tivesse tido tanto medo um do outro..." Porque a gente estava passando por tanta da mesma merda. Se a gente pelo menos tivesse conversado, talvez a gente pudesse ter ajudado um ao outro."

Em dezembro passado, MM de fato tentou colocar Eddie e Kurt lado a lado. Tínhamos uma senhora capa de Natal em mente. Começou como uma extravagância. Imagine a nossa surpresa, então, quando as pessoas estavam falando que apesar de qualquer animosidade previamente anunciada, primeiro o Eddie e depois Kurt concordaram, só para terem mais um desentendimento sobre uma história da capa da Time que agora parece trivial demais para ser mencionada em maiores detalhes.

Na época, Pearl Jam e Nirvana estavam escalados para tocar num espetáculo da MTV, a ser filmado no Pier 48 em Seattle para audiência internacional no Ano Novo. The Breeders e Cypress Hill estavam também na lista e era pra ser uma reconciliação pública entre Pearl Jam e Nirvana, depois de seu desentendimento de longa data.

Um dia antes do concerto, Pearl Jam anunciou que estava fora. A razão oficial era de que a voz de Eddie estava mal, que ele estava esgotado. Conversando no backstage com o fotógrafo da MM, Steve Gullick, Stone Gossard, que tinha aparecido no Pier 48 para uma jam com o Cypress Hill, descreveu Eddie como estando "muito mal".

Houve algumas pessoas, inevitavelmente, que duvidaram disso. "Eu estava doente mesmo, cara", Eddie diz agora. "E essa é a verdade. A gente tinha acabado uma turnê, e depois fizemos mais três shows em Seattle e eu mal conseguia me agüentar lá. As pressões eram intensas. Eles tinham gente alinhada em cadeiras de rodas para eu ver e todo tipo de merda. E isso suga tanto de você, esse tipo de coisa, que não sobra nada."

"Mas eu passei por isso, e então você sabe como é. Você sai em turnê e quando chega em casa, baixa todas as suas defesas. É como abaixar sua guarda no boxe faltando 30 segundos pra acabar o round e ser acertado quando você menos espera. E eu tomei uma na cara, muito foda. E daí eles estavam ligando, "E aí, você pode estar melhor na terça? Pode fazer isso? Pode fazer aquilo? E aquele show?" E eu estava me sentindo uma merda e eu ia soar uma merda e a gente sabia que um monte de gente ia ver se a gente fosse tocar, e ia soar muito mal, ia ser uma merda. Então eu só disse "não" e isso virou uma coisa enorme."

Um monte de gente pensou que você tinha saído fora porque não queria aparecer com o Nirvana, que sua não aparição foi um grande "vão se foder", que era simplesmente petulância.

"E essa foi a pior parte de tudo," Eddie diz, exasperado. "Estar sentado em casa doente pra caralho e suando e tremendo e vendo as horas passarem antes que isso fosse acontecer e pensar "Eu estou fodido, cara, muito fodido", e daí ver isso ficar ainda pior porque tinha todos aqueles rumores sobre onde eu estava e porque eu não fui lá. E as pessoas estavam dizendo que a gente saiu fora porque queria o show principal, senão a gente não ia aparecer. Mas foda-se, não teve problema nenhum. A gente teria entrado na abertura, por segundo ou por terceiro, em qualquer porra de hora, sabe. Não tinha problema nenhum com a ordem. E eu estava muito feliz em poder tocar com eles. Eu até pensei em escrever pra eles pra dizer, "Desculpa, cara, eu estava mal", mas aí os rumores começaram a ficar engraçados. Um deles dizia que eu estava surfando no Havaí. Outro dizia que eu estava entrando e vi todas as luzes e câmeras, e dizendo "Orra, foda-se essa merda, tô fora." E aquela," ele sorri, "seria provavelmente o chute mais próximo da realidade. Quer dizer, no final da nota de rodapé estava que eu estava doente. Mas mais tarde me pareceu que se a gente fosse mesmo pra fazer alguma coisa juntos, deveria ser mais importante que um especial da MTV, sabe."

Tinha uma coisa, falando sobre a rivalidade entre Pearl Jam e Nirvana e a forma como as pessoas tomam partidos, que Eddie lembra que realmente o magoavam.
Quando Kurt entrou em coma em Roma, uma revista local de Seattle, um livreto de um café, tinha um artigo com a manchete: "POR QUE NÃO PODIA TER SIDO O EDDIE VEDDER?" Isso era exatamente o que Courtney Love havia dito para a revista Select, eu digo a Eddie. Ele parece chocado. "Oh," ele diz, seu fôlego deprimido. "Que ótimo. É ótimo mesmo. Isso me faz me sentir bem pra caralho. Eu me pergunto por que ela não falou sobre quando eu liguei pra ela noite passada e ofereci qualquer ajuda que pudesse dar..."
Ficamos num de nosso silêncios regulares.
"Eu não conheço mesmo nenhuma dessas pessoas," ele diz, eventualmente. "Eu não conheço Courtney, nunca tinha falado com ela antes. Mas alguém disse que eu devia ligar pra ela e eu achei que devia. Quer dizer, toda essa merda que surge e todas as bobagens que voam na imprensa que vêm em itálico e em negrito pra fazer disso uma coisa maior do que realmente é, quando já está tudo dito e acabado, eu sinto alguma coisa por essas pessoas. E aqueles que estão vivos, eu preciso deixar que eles saibam como eu me sinto."

Em outubro passado, Pearl Jam lançou "Vs.", o disco seguinte a "Ten", que na época tinha estado no cartaz da Billboard por mais de dois anos, tempo durante o qual havia vendido mais de 5 milhões de cópias só nos EUA. Muitas pessoas duvidavam que eles poderiam repetir esse tipo de sucesso.

No evento, "Vs." vendeu, surpreendentemente, 1,2 milhões nos EUA nos seus 5 primeiros dias após o lançamento, esmagando as vendas de 777000 alcançadas pelos Guns"n"Roses com "Use Your Illusion II" na semana de lançamento em 1991. Na sua primeira semana de lançamento, o "In Utero" do Nirvana vendeu menos de 200000 cópias. Isso fez dele o álbum mais rapidamente vendido na América.

Pearl Jam era parte da história agora, e você se perguntava como Eddie iria reagir ao fato de que "Vs." iria ser mais provavelmente lembrado agora não como um bom disco, mas como estatística. Você esperava de novo que ele iria lidar bem, talvez até apreciar o sucesso. Isso passou a ser pensamento desejoso.

Em 19 de novembro, duas semanas depois do começo da turnê americana do PJ, Eddie foi preso em Nova Orléans por estar bêbado em público numa briga de bar. Lá pelas 4 da manhã, depois do primeiro de 3 shows lotados a Lake Front Arena, Eddie estava bebendo num bar na Decataur Street no quarteirão francês com membros da banda companheira Urge Overkill e Jack McDowall, do Chicago White Sox, time local de baseball do Urge.

Eddie foi acusado de estar envolvido em atrito com um residente local, James Gorman. Depois de uma troca de opiniões franca, Eddie supostamente deu um tapa na cara de Gorman. Uma briga de socos começou por todo o bar, o tumulto alcançou a rua. No caos que se seguiu, disseram que Eddie nocauteou Gorman, enquanto McDowall foi acertado por um leão-de-chácara do vizinho Blue Crystal Nightclub. Quando a polícia chegou, prendeu Eddie. "E eu não tinha feito MERDA NENHUMA!" Eddie explode quando eu menciono o incidente.
"O que aconteceu", ele diz, "foi que em Nova Orléans, alguém fez alguma coisa que eu não gostei e eu cuspi na cara dele. E agora tem um processo de 3 milhões de dólares. Isso é besteira. Eu fui tipo, eu estava pensando, "Eu ia levar essa desse cara se eu fosse alguém?"" E eu pensei, "Não eu não ia.""

Tentando entender a história direito, pergunto a Eddie se ele está falando de James Gorman aqui. "Eu não sei a porra do nome dele," Eddie diz de forma seca o suficiente para me fazer desejar nunca ter perguntado. Então o que aconteceu? "Eu devo ter falado com duas dúzias de pessoas naquela noite, naquele bar, e os nomes de 20 deles acabaram no meu guardanapo, mais um da guest list para o próximo show. E até onde eu me lembro, eu falei com esse cara por um tempo."

"Sabe" ele diz de repente, se interrompendo, "Eu não devia estar falando nisso porque ainda estou em litígio. Mas foda-se. Foda-se. Eu não fiz merda nenhuma. Eu estava com o Blackie e Ed do Urge. Eu falei com esse cara por um tempo e a gente tentou ir adiante. Mas esse cara, ele não ia deixar passar. Ele ainda tinha que ter mais. E ele ainda tinha que cobrir mais uns tópicos. E Blackie diz, "Olha, cara, pega leve, que a gente, você sabe..." E esse cara foi, "Não, não. Eu ainda tenho que dizer mais uma coisa, a gente precisa conversar..." E eu finalmente meio que segurei ele contra a parede," ele diz, a voz se tornando um suspiro enfático, "Eu...cuspi...na...cara...dele. Grande bosta. De qualquer forma, daí todo o inferno começou. Mas eu não dei nenhum soco. Graças a Deus. Porque - vai saber? - eu podia ter machucado ele mesmo. Porque daí foi quando eu percebi, sabe, que meu amigo estava machucado. Ele caiu num pára-choque de um Jipe na rua ali. Aí tem esse cara, um amigo meu talentoso e respeitado, caído no chão inconsciente por causa desse cretino que tá me dizendo "Você não é o Messias, você não é meu Messias..." "E eu fui, "É o que eu estava tentando te dizer, cara. É o que eu estava tentando TE DIZER. Eu não sou a porra do teu Messias.""

"Essa é a merda que acontece. Até noite passada, depois que a gente tocou no "Saturday Night Live", teve esse incidente, que foi uma invasão pra mim. Alguma coisa que eu não podia controlar aconteceu e de repente a gente está nessa coisa gigante, e eu estou tipo "Jesus Cristo, depois de toda a porra que eu faço, caralho, e AINDA tem gente que não tá satisfeito. Eles querem MAIS.""

"Você sabe que eu passei um monte de vezes por isso, e eu não vou dar mais nada. Tipo, uns dias atrás, tem um gurizinho e ele quer tirar uma foto comigo e eu não estava no grau. Eu não estava bem. E ele vai, "Ah vai, vai, deixa eu tirar uma foto com você. Eu tenho que tirar minha foto com você." E eu vou tipo, desculpe, cara, eu não posso fazer isso. Eu estou passando por coisas difíceis esses dias. Tipo, a gente acabou de perder Kurt, três dias atrás, cara. Eu estou todo fodido."

"E ele simplesmente não tá ouvindo e dizendo, "Eu devia te dizer, cara, o Kurt posou comigo, cara..." E eu só disse, "É, e olhe onde ele está agora, olha o que isso fez com ele, cara." "Quer dizer, o que esse guri está fazendo, sabe. Colecionando a porra das nossas cabeças? E você sabe que esse piá, ele vai fazer a mesma coisa semana que vem com um Bon Jovi da vida ou alguém mais."

"Você sabe o que eu preciso agora?" ele pergunta de repente. "Eu preciso saber o que as pessoas querem de mim. Eu sinto como se tivessem todas essas contradições sobre o que as pessoas querem, sabe. E no fim elas querem demais. Eles querem que você seja um líder. Querem que você seja uma vítima. Querem a sua alma. Querem tudo. E alguns deles não desistem, são incansáveis. E por que eu devia ligar? Eu nem devia me importar, o caralho, cara. Eu devia ser forte o suficiente pra dizer "Eu tou pouco me fodendo. Fodam-se vocês todos, eu tou pouco me fodendo, seus filhos da puta."

"E aí eu ia ser mesmo o porta-voz de uma geração. Porque tem um monte de gente aí fora, cara, dizendo "Foda-se essa merda, foda-se." Eles são ignorantes e estão felizes e tão pouco se fodendo pra tudo. Eu vejo um monte de gente aí fora, cara, e eles estão pra lá de fodidos. Então talvez eu devesse me importar um pouco menos com eles, porque parece que eles não se importam comigo."

Um mês atrás, Kurt Cobain acabou com o que tinha se tornado a miséria terrível da sua vida com um tiro que estourou a própria cara. Você teria pensado que isso iria ser uma ocasião para nada mais complicado que lágrimas e luto. Para algumas pessoas, no entanto, foi uma oportunidade para condescendência, moralismo questionável e alguma coisa perto de uma indiferença. Para essas pessoas, Kurt era um fraco, patético, um cuzão que escolheu a saída dos covardes. Essas eram as pessoas para quem Kurt não era mais nada que um tristinho irritante que, tendo alcançado o sucesso, não fez nada além de reclamar disso. Estou falando particularmente de Chrissie Hynde e a entrevista embaraçosa com o querido tolo na NME na semana seguinte depois da morte do Kurt, que pela grosseria foi bem insuperável.

"Quando as pessoas vão entender que o simples fato de que não é o sucesso que é a porra do problema," Eddie grunhe. "É uma honra do caralho que as pessoas amem nossa música, comprem nossos discos e venham aos shows. É o que acontece quando um monte dessas pessoas começam a pensar que você pode mudar a vida delas ou o quê, e criam essas expectativas de merda que no fim só começam a te incomodar, esse é o problema. Se isso é sucesso, foda-se. Estou fora. A questão é, o sucesso em qualquer nível pode ser difícil de lidar pra maioria dos músicos. Por quê? Porque você nunca acredita que você vai fazer sucesso. Quer dizer, eu já conheci poucos músicos que realmente acreditavam que eles iam fazer sucesso numa escala maior. Pelo menos, poucos dos que eu gostei. Se eles achavam que iam fazer sucesso, era provavelmente algum bichinha filho da puta pra quem eu tava pouco me fodendo. Então quando você sem esperar faz mais sucesso do que já imaginou, pode ser uma coisa difícil de lidar. A eu acho que Kurt, ele definitivamente tinha muita merda pra lidar. Ele é tipo o Mike, nosso guitarrista, eu não ligo de falar, foda-se. Mas ele está se fodendo demais, fazendo merdas estúpidas e eu estou preocupado pra caralho com ele."

"Quer dizer, a gente não é a Madonna. E eu não ligo de mencionar o nome porque ela é um bom exemplo e ela vai ficar orgulhosa do fato que eu mencionei ela. Ela é alguém que manipula a mídia, alguém que tem uma nova aparência e um novo tema em cada performance. Ela orquestra esse tipo de antecipação. "O que ela vai fazer agora? Onde ela vai depois?" Ela ama a atenção. " E alguém assim, olha o que a gente precisou fazer. Eles terminaram tendo que chocar e fazer strip e ir tão longe quanto puderam ir. E sinto muito, isso é chato, tão chato pra mim. Eu não preciso dessa atenção. Eu não quero essa atenção. E eu não acho que é justo qualquer um me criticar ou criticar Kurt ou qualquer um por não querer tomar parte nessa porra. Porque não é por isso que a gente começou. A gente começou porque queria estar numa banda, tocar música, fazer discos. Fim da porra da história."

Eddie ficou quieto pelos últimos minutos, então você sabe que tem mais alguma coisa na sua cabeça. "A coisa é," ele prossegue então, "você acha que seu ego seria massivo, tocando para todas essas pessoas, fazendo todos eles cantarem suas músicas. O fato é, você nunca acha que é tão bom assim. Você não acha que merece esse tipo de atenção ou adulação. E então o que você termina sentindo ao invés desse ego gigante é, você acha que não tem valor nenhum. Você não pode viver no nível da glorificação e isso faz você se sentir pequeno e uma merda."

"Tipo, a gente recebe milhares de cartas por semana de pessoas que querem algum tipo de ajuda. Eu tive pessoas me enviando notas dizendo que vão se suicidar e eu liguei pra elas, e algumas delas, caras, estão além da ajuda. Mas você está nessa posição em que começa a pensar que deve haver alguma coisa que possa fazer, sabe. Então talvez eu seja mais torturado agora, porque eu sinto que tem mais coisas que eu devia estar fazendo. Mas você não pode ajudar todo mundo e se você diz, "Bom, eu vou ajudar essa pessoa, mas não tem nada que eu possa fazer por ela agora", é ainda pior, porque aí você começa a agir como Deus. Porque há tantas pessoas que merecem qualquer ajuda que você pode dar pra elas."
"É a mesma coisa com organizações. A gente constantemente recebe cartas pedindo pra gente fazer isso ou aquilo. E são boas causas. Mas eles não podem nem aparecer mais pra mim. Porque eles sabem que eu vou deixar eles levarem tudo."
"E as pessoas me avisaram disso. Elas disseram, "O que você está fazendo musicalmente, não extrapole. A música é alguma coisa de onde qualquer um pode tirar algo, e você não deveria ter que fazer mais que isso. E se você puser tudo nisso, então está ajudando mais pessoas que pode imaginar.""

"E eu cheguei a perceber que essas pessoas estão provavelmente certas. Porque se você se perde nessas situações individuais e circunstâncias, você afunda nisso, pode perder controle de sua vida e para onde vai. E então você poderia mesmo não ter valor na música e no fim das contas, você tem que proteger isso. Até onde todos esses pedidos de socorro vão, é fácil ouvir e abraçá-ls. Mas é impossível fazer qualquer coisa. E isso pode ser difícil pra caralho de entender, "ele diz com uma finalização, "mas é a porra da triste verdade."

Deixe-me mencionar que Eddie me contou sobre uma carta particular que lhe chamou a atenção. Era de um garoto de 13 anos chamado Michael e era sobre a mãe dele. Era uma mulher cujo marido havia a abandonado, deixando para criar três crianças sozinhas. Ela trabalhava limpando banheiros, entregando cartas, qualquer coisa, para ganhar dinheiro suficiente para passar pela faculdade comunitária. Ela eventualmente se graduou. Então sofreu um acidente, sua cintura foi destruída, ela não podia andar, não podia trabalhar. No Dia dos Namorados do ano anterior, tinha tentado se matar. Eddie ficou tocado pela carta, se envolveu, tentou fazer o que ele descreveu como uma resposta útil. Na manhã seguinte da entrevista, eu levantei no quarto do hotel e achei um envelope empurrado por baixo da porta. Era do Eddie, uma nota e a carta que a mãe de Michael havia enviado agradecendo tudo o que ele tinha feito por ela. Eu li durante o café, me deu um arrepio.

Você pensaria, então, como você lidaria com essas coisas, um dos muitos envolvimentos nas vidas das pessoas, e as responsabilidade que você assume quando como Eddie você se mete tão fundo. E então você fica feliz que provavelmente nunca vai ter que descobrir. Porque você tinha certeza de que mais de uma carta como aquela que ele havia te dado iriam te ferrar a vida, sem dúvida.

De volta ao Paramount, a entrevista estava acabando quando Steve Gullick aparece. Disseram a ele que só poderia tirar fotos do primeiro número no show, sem flash, e de um ponto obscuro no lado distante do palco.

"Foda-se isso", Eddie diz. "Tire quantas fotos quiser, de onde quiser, por quanto tempo quiser e se qualquer um te disser alguma merda, diga a eles para virem conversar comigo a respeito disso." Steve pergunta se pode tirar umas fotos no camarim. Eddie diz que sim e vai afinar a guitarra. "Vamos lá," ele diz, entrando no chuveiro e ligando a água. Então ele empresta meu isqueiro e começa a queimar a rolha da garrafa de vinho que a gente acabou de esvaziar e começa a pintar seu rosto, desenhando círculos escuros ao redor dos olhos e uma cruz na testa. "Isso vai fazer você parecer tão estranho.", Gullick diz a ele.
"Me deixe ser tão estranho quanto eu quiser," Eddie diz. "É a porra da minha vida."